segunda-feira, 8 de junho de 2009

Conhecndo a Vila Mimosa

Vila Mimosa é uma tradicional zona fechada de prostituição feminina localizada no centro do Rio de Janeiro, na qual realizei o trabalho de campo base da minha tese de doutoramento. Ela se constitui a partir de uma construção social e comercial, em que há uma configuração de estabelecimentos comerciais dos mais variados que vai além da venda de relações sexuais. Trata-se de um agrupamento de estabelecimentos localizados num mesmo espaço (ruas) e ligados pela atividade da prostituição.
Apesar de ter o nome de vila, seu começo se deu em um grande galpão, com cerca de 2500 metros quadrados – um prédio construído em forma de um quadrado –, onde a parte frontal é aberta e de frente para a rua principal (Sotero dos Reis). Nas outras três linhas do quadrado e na sua parte central há estabelecimentos de prostituição. A passagem entre os dois lados desse quadrado é calçada, estreita e coberta. As duas entradas do galpão são identificadas pelos toldos amarelos e azuis colocados em cima das varandas dos estabelecimentos junto à rua principal. Os bares localizam-se na parte de baixo e os quartos, para a realização dos programas, no segundo andar. Parece uma galeria comercial, em que uma loja estaria ao lado da outra, contudo, trata-se aqui de bares. Nesta espécie de corredor, o comércio é intenso. Há vendedores informais que expõem suas mercadorias no chão, na janela de um estabelecimento, outros perambulam pelas ruas. Os vendedores informais vendem diferentes produtos: sucos, doces, salgados (coxinhas, esfihas, sanduíches), roupas (lingeries, biquínis, tops), cosméticos (batom, sombra, desodorante, perfume, cremes), incensos, bijuterias, entre outros.
A Rua Sotero dos Reis é extremamente estreita e sem asfalto. É comum haver uma fila de carros estacionados de um dos lados da rua, o que dificulta a circulação dos carros que transitam na rua, apesar disso, sempre há um trânsito intenso de carros e caminhões. Além dos carros de passeio, também há carros dos taxistas (há um ponto na rua), dos lixeiros, dos carteiros, dos policiais, dos caminhões com produtos para descarregar (bebidas, alimentos) ou da transportadora que se localiza ali perto. Na rua também há trânsito de pedestres: prostitutas que querem seduzir os homens que passam a pé ou de carro, homens e mulheres que utilizam o acostamento da rua para se encontrar com outras pessoas e permanecem ali bebendo e conversando, pessoas que circulam e passeiam.
Do outro lado da rua, há em torno de oito ou dez antigas moradias; todas grandes e de alvenaria. Para abrigar a atividade de prostituição, as moradias foram reestruturadas, algumas delas foram divididas em dois, três ou mais estabelecimentos, outras têm mais um andar, um puxado, com escadas para fora do prédio. Na maioria das vezes, essas moradias foram re-arranjadas para sua nova utilidade de forma que parece não ter cuidado com a segurança do prédio – há uma imensa quantidade de fios de energia elétrica sempre à mostra, tijolos jogados ao chão, construções caindo. Isto sem contar a mudança constante no cenário: no puxado ora há uma geladeira e um homem vendendo bebidas, ora há um fogareiro e uma panela onde um homem frita e vende pastéis; num momento um trailer ocupa a calçada, em outro há dois, em outro nenhum. No outro lado da rua, também há barracas, trailers, carrinhos em cima das calçadas, em frente dos estabelecimentos de prostituição.
Costumava freqüentar a Vila Mimosa durante os dias da semana e, na maioria das vezes, durante o período da tarde. Como na Vila quase todos os estabelecimentos funcionam 24 horas (apenas as barracas, as tendas e os trailers que vendem refeições e bebidas funcionam a partir das 15/16 horas) era praticamente impossível encontrá-la vazia. O movimento à noite é maior quando comparado com horários diurnos; a partir das 17 horas não é possível transitar tranqüilamente pelas ruas da Vila Mimosa, principalmente na sexta-feira. Mesmo durante o dia o movimento é intenso, principalmente no sábado, que parece tão movimentado quanto uma noite de outro dia qualquer da semana. A maioria dos homens com quem conversei nas tardes de sábado dizia que saíam dos seus empregos e iam diretamente para a Vila.
A Associação dos Moradores do Condomínio e Amigos da Vila Mimosa (AMOCAVIM)8 afirma que nas noites de sexta-feira e de sábado há cerca de 4.500 pessoas (em torno de 3.000 homens e 1.500 mulheres) transitando no complexo da Vila Mimosa. Muito embora não se saiba exatamente de onde saiu este número, dado o intenso fluxo de pessoas que se pode observar mesmo que assistematicamente, ele não soa inverossímil mesmo ao mais cético dos olhares. Sempre havia pessoas paradas ou caminhando nos corredores, nos estabelecimentos, dançando, algumas comendo em pé ou sentadas nos muros, nas escadas, enfim, sempre uma intensa movimentação de pessoas: as mulheres falavam, caminhavam, dançavam, riam, comiam; os homens conversavam, bebiam, caminhavam pelos corredores, pegavam nas mulheres.
Minha primeira impressão da Vila Mimosa foi uma imensa heterogeneidade que parecia desordenada. No entanto, a pesquisa paulatinamente desconstruiu essa primeira impressão, demonstrando que cada setor e cada atividade têm suas regras, e através delas se constrói a idéia de transitoriedade, tão importante para a compreensão do contexto estudado. Parece mesmo que a Vila é constituída pelo excesso: excesso de barulho, de cheiros, de pessoas, de carros, de voz em volume alto, de gestos. Isso tudo dá ao universo o aspecto de uma tensão contínua e, ao mesmo tempo, de uma dinâmica incontrolável. Certamente que esta é uma pista de reflexão a respeito do lugar e da aceitação ou não dos estrangeiros neste comércio tão diversificado.

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